1. Introdução
O uso de Cannabis durante a gestação e lactação é uma temática que desperta crescente atenção nas esferas clínica e regulatória, especialmente diante do aumento global da legalização da Cannabis medicinal e da percepção equivocada de sua segurança. Embora os canabinoides — como o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) — tenham propriedades terapêuticas reconhecidas, seu uso durante a gravidez e o aleitamento deve ser cuidadosamente avaliado à luz dos riscos potenciais ao desenvolvimento fetal e neonatal.
Nesse contexto, é fundamental que ginecologistas, obstetras, pediatras, neonatologistas e demais profissionais da saúde materno-infantil estejam bem informados e capacitados para orientar gestantes e lactantes com base nas melhores evidências científicas disponíveis, respeitando princípios éticos, de precaução e de segurança.
2. Riscos do Uso de Cannabis na Gestação e Amamentação
Organizações médicas de renome internacional, como o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), a Academy of Breastfeeding Medicine (ABM) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), recomendam fortemente a evitação do uso de Cannabis durante a gestação e a amamentação, exceto em circunstâncias excepcionais e sob rigoroso acompanhamento clínico [1].
2.1 Exposição Fetal e Neonatal aos Canabinoides
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Atravessamento Transplacentário: O THC é lipofílico e atravessa facilmente a barreira placentária, podendo interferir com a formação de circuitos neurológicos em desenvolvimento. O sistema endocanabinoide fetal — envolvido em processos como proliferação neural, migração celular e sinaptogênese — é particularmente sensível a alterações exógenas [2].
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Excreção no Leite Materno: O THC e outros canabinoides também são detectáveis no leite humano por períodos prolongados após a exposição materna. Estudos sugerem que a concentração de THC no leite materno pode ser de 6 a 8 vezes maior do que no plasma materno, com potencial para bioacumulação no lactente [3].
2.2 Potenciais Efeitos Adversos no Desenvolvimento Fetal e Infantil
Estudos observacionais e coortes longitudinais têm demonstrado associações entre a exposição pré e perinatal à Cannabis e múltiplos desfechos clínicos adversos:
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Baixo Peso ao Nascer e Prematuridade: Há aumento do risco relativo para restrição de crescimento intrauterino (RCIU), parto prematuro (<37 semanas) e baixo peso ao nascer (<2.500g), mesmo após o controle para fatores confundidores como tabagismo e etilismo [4].
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Déficits no Neurodesenvolvimento: A exposição intrauterina ao THC está associada a alterações persistentes em domínios como:
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Atenção e controle inibitório (déficit de atenção, impulsividade);
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Memória de trabalho e funções executivas;
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Desenvolvimento da linguagem e desempenho escolar [5,6].
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Alterações Comportamentais e Psiquiátricas: Crianças expostas podem apresentar maior prevalência de transtornos de conduta, ansiedade, e sintomas depressivos na infância e adolescência.
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Outros desfechos potenciais: Embora a evidência seja menos robusta, há relatos de associações com:
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Anomalias congênitas (particularmente cardiovasculares e do tubo neural);
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Aumento do risco de morte súbita do lactente (SIDS);
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Distúrbios respiratórios neonatais [7].
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3. Recomendações para Profissionais da Saúde Materno-Infantil
3.1 Abordagem Clínica Baseada em Evidências
É fundamental que os profissionais de saúde adotem uma abordagem acolhedora, livre de julgamentos e cientificamente embasada, para identificar, aconselhar e monitorar gestantes e lactantes que façam uso de Cannabis — seja recreativa, seja medicinal.
Principais recomendações:
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Triagem e História Clínica Detalhada: Incluir perguntas específicas sobre uso de substâncias (inclusive fitoterápicos e Cannabis) nas consultas pré-natais e pediátricas.
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Aconselhamento Informativo: Explicar que mesmo formas vaporizadas ou óleos com baixo teor de THC podem ter efeitos neurotóxicos. Destacar a ausência de dados robustos de segurança para qualquer forma de Cannabis durante a gestação e amamentação.
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Substituição por Terapias Seguras: Para condições como náuseas graves, insônia, dor ou ansiedade, optar por intervenções não farmacológicas ou farmacológicas com perfil de segurança conhecido, como a doxilamina para hiperêmese gravídica ou psicoterapia para sintomas leves de ansiedade.
3.2 Situações de Exceção e Monitoramento Multidisciplinar
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Em casos extremamente raros, como epilepsia refratária grave em gestantes que já faziam uso de Cannabis medicinal antes da concepção, o uso contínuo deve ser cuidadosamente ponderado por uma equipe multidisciplinar (neurologia, obstetrícia de alto risco, pediatria e farmacologia clínica).
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Nesses casos, é imprescindível o monitoramento fetal e neonatal intensivo, além de documentação clínica rigorosa quanto à justificativa terapêutica, avaliação dos riscos e consentimento informado.
4. Oportunidade de Educação no Dia da Gestante (15 de Agosto)
O Dia da Gestante, comemorado em 15 de agosto, é uma oportunidade estratégica para reforçar a importância do cuidado pré-natal qualificado e da educação em saúde baseada em evidências. O tema do uso de substâncias — incluindo Cannabis — deve ser abordado de forma empática, clara e acessível, promovendo um diálogo franco sobre os riscos e incentivando decisões informadas.
Profissionais de saúde podem aproveitar a data para realizar ações educativas em ambulatórios, maternidades e campanhas comunitárias, conscientizando sobre os efeitos adversos do uso de Cannabis na gestação e lactação, além de orientar sobre alternativas terapêuticas seguras.
5. Conclusão
Embora a Cannabis medicinal represente um avanço terapêutico importante em várias áreas da medicina, sua utilização durante a gestação e a lactação permanece contraindicada na maioria das situações clínicas, devido aos potenciais efeitos deletérios sobre o desenvolvimento fetal e infantil. A prioridade deve ser sempre a segurança do binômio mãe-bebê.
Cabe aos profissionais da saúde materno-infantil o papel de educar, prevenir e orientar com base em evidências, promovendo cuidados centrados na paciente e garantindo que quaisquer decisões sobre o uso de Cannabis nesse período sejam tomadas com a máxima responsabilidade ética e científica.
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