segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Cannabis Medicinal e Cardiologia: Implicações para a Prática Clínica



1. Introdução

Com o avanço das evidências científicas e o aumento do interesse clínico no uso terapêutico da Cannabis, torna-se imperativo que cardiologistas e profissionais da saúde cardiovascular estejam atualizados sobre os efeitos dos canabinoides no sistema cardiovascular. A crescente disponibilidade de produtos à base de Cannabis no Brasil, regulamentados pela ANVISA (RDC nº 327/2019), e a demanda crescente por abordagens terapêuticas integrativas, especialmente em pacientes com doenças crônicas, colocam os médicos frente ao desafio de incorporar esse conhecimento à prática clínica.

Este informativo tem como objetivo oferecer uma visão abrangente e embasada sobre os potenciais benefícios e riscos do uso da Cannabis medicinal na cardiologia, em alusão ao Dia do Cardiologista (14 de agosto), reconhecendo o papel estratégico desses profissionais na avaliação da segurança e eficácia do tratamento com canabinoides em populações com risco cardiovascular.


2. Efeitos dos Canabinoides no Sistema Cardiovascular

O Sistema Endocanabinoide (SEC), composto por receptores (CB1, CB2), ligantes endógenos (anandamida, 2-AG) e enzimas metabolizadoras, está presente em múltiplos tecidos, incluindo o miocárdio, endotelio vascular e centros reguladores autonômicos. Ele modula funções como pressão arterial, tônus vascular, frequência cardíaca e resposta inflamatória sistêmica [1]. Os fitocanabinoides mais estudados — o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) — interagem com o SEC de formas distintas e, por vezes, opostas, com implicações clínicas relevantes.


2.1 Canabidiol (CBD): Potencial Terapêutico Cardiovascular

O CBD é um canabinoide não psicoativo, com baixo risco de efeitos adversos graves, e vem sendo investigado pelo seu papel anti-inflamatório, ansiolítico, antioxidante e vasorregulador. Esses efeitos são promissores no contexto de diversas condições cardiovasculares.

Evidências Científicas:

  • Redução da Pressão Arterial: Em estudo randomizado com voluntários saudáveis, o CBD reduziu significativamente a pressão arterial sistólica e diastólica em repouso e em resposta ao estresse, possivelmente por promover vasodilatação mediada por óxido nítrico [2].

  • Proteção Endotelial: O estresse oxidativo endotelial é fator chave na aterogênese. O CBD demonstrou proteger células endoteliais da disfunção oxidativa, sugerindo um papel na prevenção da progressão da doença aterosclerótica [3].

  • Atividade Anti-inflamatória: A inflamação crônica está associada à insuficiência cardíaca, aterosclerose e hipertensão. O CBD inibe a produção de citocinas inflamatórias (como TNF-α e IL-6), reduzindo o risco de complicações cardiovasculares associadas à inflamação sistêmica [4].

  • Outros Benefícios Potenciais:

    • Modulação autonômica do sistema nervoso simpático.

    • Melhora da qualidade do sono e controle de ansiedade, que impactam indiretamente a saúde cardiovascular.

    • Redução do estresse oxidativo miocárdico em modelos animais.


2.2 Tetrahidrocanabinol (THC): Considerações de Segurança

O THC é o principal composto psicoativo da Cannabis e possui efeito agonista parcial nos receptores CB1, cuja ativação no sistema cardiovascular pode ter repercussões clínicas, especialmente em pacientes vulneráveis.

Riscos Potenciais:

  • Taquicardia e Hipotensão Ortostática: O uso de THC está associado a aumento da frequência cardíaca e redução da resistência vascular periférica, podendo causar sintomas como tontura e síncope, sobretudo em idosos ou pacientes com disfunção autonômica [5].

  • Eventos Cardiovasculares Agudos: Casos raros, porém descritos, de infarto agudo do miocárdio, arritmias e AVC têm sido relatados após o uso recreativo ou medicinal de Cannabis com alta concentração de THC. Acredita-se que mecanismos como vasoespasmo coronariano, aumento da demanda miocárdica e agregação plaquetária possam estar envolvidos [6].

  • Contraindicações Relativas:

    • Histórico de arritmias não controladas.

    • Doença arterial coronariana instável.

    • Uso concomitante de simpaticomiméticos.

    • Cardiomiopatias em fase descompensada.


3. Implicações Práticas para Cardiologistas

Dado o cenário de expansão do uso medicinal da Cannabis no Brasil, os cardiologistas assumem um papel central na avaliação da elegibilidade e monitoramento dos pacientes. A seguir, orientações práticas para incorporar o conhecimento sobre canabinoides à rotina clínica:

Avaliação Inicial:

  • História cardiovascular detalhada, incluindo risco aterosclerótico global.

  • Revisão de comorbidades e interações medicamentosas.

  • Avaliação do uso prévio de Cannabis (recreativa ou medicinal).

Monitoramento:

  • Pressão arterial e frequência cardíaca (em repouso e ortostatismo).

  • Eletrocardiograma (ECG) basal e, se indicado, Holter.

  • Vigilância para sintomas de intolerância ou arritmias.

Interações Medicamentosas:

  • O CBD pode inibir enzimas do citocromo P450, como a CYP3A4 e CYP2C9, afetando fármacos como varfarina, amiodarona e alguns beta-bloqueadores.

  • Monitorar INR, pressão arterial e níveis séricos conforme a medicação em uso.

Educação Médica Contínua:

  • Atualização sobre legislações (como a RDC 660/2022).

  • Formação em prescrição consciente e individualizada de canabinoides.

  • Discussão interdisciplinar com neurologistas, psiquiatras, clínicos e farmacologistas.


4. Conclusão

A Cannabis medicinal representa uma ferramenta terapêutica promissora, mas que exige conhecimento técnico e discernimento clínico, especialmente no manejo de pacientes com risco cardiovascular. O CBD demonstra potencial protetor e modulador em múltiplas frentes, enquanto o THC requer uso criterioso e supervisão adequada. Ao integrar esse conhecimento à prática clínica, cardiologistas estarão mais bem preparados para oferecer cuidados personalizados, seguros e baseados em evidências, alinhados com os avanços da medicina integrativa contemporânea.

5. Referências Bibliográficas

[1] Pacher, P., & Kunos, G. (2013). Modulating the endocannabinoid system in human health and disease: successes and failures. FEBS Journal, 280(9), 1918-1941. https://febs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/febs.12242

[2] Jadoon, K. A., Tan, G. D., & O'Sullivan, S. E. (2017). A single dose of cannabidiol reduces blood pressure in healthy volunteers in a randomized crossover study. JCI Insight, 2(12), e93760. https://insight.jci.org/articles/view/93760

[3] Stanley, C. P., Hind, W. H., & O'Sullivan, S. E. (2013). Is the endocannabinoid system a viable target for treating hypertension?. British Journal of Pharmacology, 170(5), 947-958. https://bpspubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/bph.12349

[4] Atalay, S., Jarocka-Karpowicz, I., & Skrzydlewska, E. (2020). Antioxidative and Anti-Inflammatory Properties of Cannabidiol. Antioxidants, 9(1), 21. https://www.mdpi.com/2076-3921/9/1/21

[5] Pacher, P., Steffens, S., Borsodi, G., & Kunos, G. (2005). The endocannabinoid system as an emerging therapeutic target in cardiovascular disease. Pharmacological Reviews, 57(4), 505-531. https://pharmrev.aspetjournals.org/content/57/4/505.long

[6] Pacher, P., & Kunos, G. (2013). Modulating the endocannabinoid system in human health and disease: successes and failures. FEBS Journal, 280(9), 1918-1941. https://febs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/febs.12242

[7] National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine. (2017). The Health Effects of Cannabis and Cannabinoids: The Current State of Evidence and Recommendations for Research. The National Academies Press. 

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