1. Introdução
Com o avanço das evidências científicas e o aumento do interesse clínico no uso terapêutico da Cannabis, torna-se imperativo que cardiologistas e profissionais da saúde cardiovascular estejam atualizados sobre os efeitos dos canabinoides no sistema cardiovascular. A crescente disponibilidade de produtos à base de Cannabis no Brasil, regulamentados pela ANVISA (RDC nº 327/2019), e a demanda crescente por abordagens terapêuticas integrativas, especialmente em pacientes com doenças crônicas, colocam os médicos frente ao desafio de incorporar esse conhecimento à prática clínica.
Este informativo tem como objetivo oferecer uma visão abrangente e embasada sobre os potenciais benefícios e riscos do uso da Cannabis medicinal na cardiologia, em alusão ao Dia do Cardiologista (14 de agosto), reconhecendo o papel estratégico desses profissionais na avaliação da segurança e eficácia do tratamento com canabinoides em populações com risco cardiovascular.
2. Efeitos dos Canabinoides no Sistema Cardiovascular
O Sistema Endocanabinoide (SEC), composto por receptores (CB1, CB2), ligantes endógenos (anandamida, 2-AG) e enzimas metabolizadoras, está presente em múltiplos tecidos, incluindo o miocárdio, endotelio vascular e centros reguladores autonômicos. Ele modula funções como pressão arterial, tônus vascular, frequência cardíaca e resposta inflamatória sistêmica [1]. Os fitocanabinoides mais estudados — o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) — interagem com o SEC de formas distintas e, por vezes, opostas, com implicações clínicas relevantes.
2.1 Canabidiol (CBD): Potencial Terapêutico Cardiovascular
O CBD é um canabinoide não psicoativo, com baixo risco de efeitos adversos graves, e vem sendo investigado pelo seu papel anti-inflamatório, ansiolítico, antioxidante e vasorregulador. Esses efeitos são promissores no contexto de diversas condições cardiovasculares.
Evidências Científicas:
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Redução da Pressão Arterial: Em estudo randomizado com voluntários saudáveis, o CBD reduziu significativamente a pressão arterial sistólica e diastólica em repouso e em resposta ao estresse, possivelmente por promover vasodilatação mediada por óxido nítrico [2].
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Proteção Endotelial: O estresse oxidativo endotelial é fator chave na aterogênese. O CBD demonstrou proteger células endoteliais da disfunção oxidativa, sugerindo um papel na prevenção da progressão da doença aterosclerótica [3].
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Atividade Anti-inflamatória: A inflamação crônica está associada à insuficiência cardíaca, aterosclerose e hipertensão. O CBD inibe a produção de citocinas inflamatórias (como TNF-α e IL-6), reduzindo o risco de complicações cardiovasculares associadas à inflamação sistêmica [4].
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Outros Benefícios Potenciais:
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Modulação autonômica do sistema nervoso simpático.
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Melhora da qualidade do sono e controle de ansiedade, que impactam indiretamente a saúde cardiovascular.
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Redução do estresse oxidativo miocárdico em modelos animais.
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2.2 Tetrahidrocanabinol (THC): Considerações de Segurança
O THC é o principal composto psicoativo da Cannabis e possui efeito agonista parcial nos receptores CB1, cuja ativação no sistema cardiovascular pode ter repercussões clínicas, especialmente em pacientes vulneráveis.
Riscos Potenciais:
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Taquicardia e Hipotensão Ortostática: O uso de THC está associado a aumento da frequência cardíaca e redução da resistência vascular periférica, podendo causar sintomas como tontura e síncope, sobretudo em idosos ou pacientes com disfunção autonômica [5].
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Eventos Cardiovasculares Agudos: Casos raros, porém descritos, de infarto agudo do miocárdio, arritmias e AVC têm sido relatados após o uso recreativo ou medicinal de Cannabis com alta concentração de THC. Acredita-se que mecanismos como vasoespasmo coronariano, aumento da demanda miocárdica e agregação plaquetária possam estar envolvidos [6].
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Contraindicações Relativas:
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Histórico de arritmias não controladas.
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Doença arterial coronariana instável.
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Uso concomitante de simpaticomiméticos.
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Cardiomiopatias em fase descompensada.
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3. Implicações Práticas para Cardiologistas
Dado o cenário de expansão do uso medicinal da Cannabis no Brasil, os cardiologistas assumem um papel central na avaliação da elegibilidade e monitoramento dos pacientes. A seguir, orientações práticas para incorporar o conhecimento sobre canabinoides à rotina clínica:
Avaliação Inicial:
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História cardiovascular detalhada, incluindo risco aterosclerótico global.
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Revisão de comorbidades e interações medicamentosas.
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Avaliação do uso prévio de Cannabis (recreativa ou medicinal).
Monitoramento:
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Pressão arterial e frequência cardíaca (em repouso e ortostatismo).
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Eletrocardiograma (ECG) basal e, se indicado, Holter.
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Vigilância para sintomas de intolerância ou arritmias.
Interações Medicamentosas:
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O CBD pode inibir enzimas do citocromo P450, como a CYP3A4 e CYP2C9, afetando fármacos como varfarina, amiodarona e alguns beta-bloqueadores.
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Monitorar INR, pressão arterial e níveis séricos conforme a medicação em uso.
Educação Médica Contínua:
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Atualização sobre legislações (como a RDC 660/2022).
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Formação em prescrição consciente e individualizada de canabinoides.
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Discussão interdisciplinar com neurologistas, psiquiatras, clínicos e farmacologistas.
4. Conclusão
A Cannabis medicinal representa uma ferramenta terapêutica promissora, mas que exige conhecimento técnico e discernimento clínico, especialmente no manejo de pacientes com risco cardiovascular. O CBD demonstra potencial protetor e modulador em múltiplas frentes, enquanto o THC requer uso criterioso e supervisão adequada. Ao integrar esse conhecimento à prática clínica, cardiologistas estarão mais bem preparados para oferecer cuidados personalizados, seguros e baseados em evidências, alinhados com os avanços da medicina integrativa contemporânea.
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