segunda-feira, 14 de abril de 2025

Interação da Cannabis Medicinal com Fitoterápicos: Panorama Atual e Considerações Clínicas



A Cannabis sativa L., especialmente seus fitocanabinoides mais estudados — tetra-hidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD) —, têm demonstrado eficácia terapêutica em diversas condições clínicas, sendo cada vez mais prescritos no Brasil. Entretanto, como ocorre com qualquer fitoterápico ou fármaco, o uso da cannabis medicinal não está isento de interações, inclusive com outros compostos de origem vegetal, que também são metabolizados por vias enzimáticas compartilhadas.

Metabolismo e Vias Enzimáticas Relevantes

Os canabinoides, em particular o THC e o CBD, são metabolizados predominantemente pelas enzimas do citocromo P450 (CYP450), especialmente:

  • CYP3A4

  • CYP2C9

  • CYP2C19

Além disso, o CBD pode inibir significativamente várias dessas enzimas, alterando o metabolismo de outros compostos, inclusive fitoterápicos, que dependem dessas vias para sua biotransformação.


Interações Conhecidas e Potenciais com Fitoterápicos

1. Valeriana (Valeriana officinalis)

  • Efeito potencial: A valeriana possui propriedades sedativas devido à interação com receptores GABA.

  • Interação com cannabis: Quando combinada com CBD ou THC, pode ocorrer um efeito sedativo aditivo, potencializando sonolência, letargia e alteração da coordenação motora.

  • Recomendação clínica: Monitorar sinais de sedação excessiva, especialmente em idosos ou pacientes que operam máquinas ou conduzem veículos.


2. Erva-de-São-João (Hypericum perforatum)

  • Efeito potencial: Indutor do CYP3A4 e da glicoproteína-P.

  • Interação com cannabis: Pode reduzir a biodisponibilidade tanto do THC quanto do CBD, já que acelera o metabolismo hepático dos canabinoides. Isso pode reduzir a eficácia terapêutica da cannabis.

  • Recomendação clínica: Deve-se evitar a combinação ou monitorar atentamente os níveis plasmáticos de canabinoides e a resposta clínica do paciente.


3. Kava-kava (Piper methysticum)

  • Efeito potencial: Potente depressor do SNC e hepatotóxico em alguns casos.

  • Interação com cannabis: Pode haver sinergismo depressor do sistema nervoso central, além de potencial aumento da hepatotoxicidade, especialmente com o uso concomitante de CBD, que também é metabolizado pelo fígado.

  • Recomendação clínica: Evitar a combinação ou usar com extrema cautela, avaliando função hepática periodicamente.


4. Ginkgo biloba

  • Efeito potencial: Inibidor leve da agregação plaquetária.

  • Interação com cannabis: O CBD e o THC podem apresentar efeitos antiagregantes leves. O uso combinado pode aumentar o risco de sangramentos, especialmente em pacientes que já usam anticoagulantes ou antiagregantes plaquetários.

  • Recomendação clínica: Monitorar sinais de sangramento e considerar ajustes em terapias anticoagulantes.


5. Ginseng (Panax ginseng)

  • Efeito potencial: Modulador imune, adaptógeno e leve estimulante do SNC.

  • Interação com cannabis: Pode antagonizar os efeitos sedativos da cannabis ou do CBD, além de competir por vias enzimáticas como CYP3A4, potencializando ou reduzindo a biodisponibilidade dos canabinoides, dependendo da dose e do tempo de uso.

  • Recomendação clínica: Monitorar eficácia terapêutica e ajustar doses conforme necessário.


6. Curcumina (Curcuma longa)

  • Efeito potencial: Anti-inflamatório, antioxidante e inibidor do CYP3A4.

  • Interação com cannabis: Pode aumentar os níveis plasmáticos de CBD e THC ao inibir o metabolismo hepático, potencializando seus efeitos terapêuticos e colaterais.

  • Recomendação clínica: Monitorar sinais de toxicidade canabinoide, como sedação excessiva, hipotensão ou alterações cognitivas.


7. Camomila (Matricaria recutita)

  • Efeito potencial: Leve sedativo, modulador GABA.

  • Interação com cannabis: Pode potencializar os efeitos ansiolíticos e sedativos do CBD, além de contribuir para hipotensão postural em combinação.

  • Recomendação clínica: Uso seguro em doses usuais, mas pacientes devem ser alertados sobre o aumento da sonolência.


8. Mulungu (Erythrina mulungu)

  • Efeito potencial: Atividade ansiolítica e sedativa por ação sobre receptores GABA.

  • Interação com cannabis: Pode potencializar os efeitos ansiolíticos e sedativos do CBD, levando a sonolência, confusão mental e lentidão psicomotora.

  • Recomendação clínica: Usar com cautela, especialmente em pacientes que necessitam manter desempenho cognitivo elevado.


Considerações Farmacodinâmicas

Além das interações enzimáticas, existe a possibilidade de sinergia ou antagonismo farmacodinâmico. Fitoterápicos com efeitos sedativos, ansiolíticos, anti-inflamatórios ou neuroprotetores podem potencializar os efeitos da cannabis medicinal, mas também podem mascarar ou sobrepor sintomas adversos.


Efeitos sobre o Sistema Endocanabinoide

Alguns fitoterápicos, mesmo que indiretamente, podem modular o sistema endocanabinoide, o que pode alterar a resposta à cannabis. Por exemplo:

  • Beta-cariofileno (presente no cravo-da-índia, pimenta preta) atua como agonista seletivo do receptor CB2, potencializando ações anti-inflamatórias da cannabis.

  • Quercetina (presente em própolis, cebola, maçã) pode modular enzimas endocanabinoides e influenciar na resposta clínica ao CBD e THC.


Conclusão

O uso concomitante de cannabis medicinal com outros fitoterápicos é comum em práticas clínicas integrativas no Brasil. Embora muitos pacientes percebam benefícios combinados, as interações podem alterar significativamente tanto a eficácia quanto o perfil de segurança da cannabis.

É essencial:

  • Realizar anamnese detalhada, incluindo fitoterápicos;

  • Monitorar enzimas hepáticas, níveis plasmáticos, e efeitos clínicos;

  • Manter vigilância sobre sinais de sedação, hipotensão, alterações cognitivas e hepatotoxicidade.

O uso racional e supervisionado dessas combinações pode oferecer benefícios clínicos robustos, desde que realizado com base em evidências e sob estrito acompanhamento profissional.

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