quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Dia Mundial do Alzheimer e o Potencial da Cannabis Medicinal no Tratamento da Doença


Introdução

O Dia Mundial do Alzheimer, celebrado em 21 de setembro, tem como objetivo aumentar a conscientização sobre a Doença de Alzheimer (DA), uma enfermidade neurodegenerativa progressiva e irreversível, responsável por aproximadamente 60 a 70% dos casos de demência no mundo (WHO, 2021). O impacto clínico e socioeconômico é significativo, com alta prevalência em populações idosas e desafios terapêuticos frente à ausência de cura definitiva.

Nas últimas décadas, a pesquisa científica tem avançado no entendimento dos mecanismos fisiopatológicos da DA, destacando-se o papel da neuroinflamação, acúmulo de placas de β-amiloide, emaranhados neurofibrilares de proteína tau, estresse oxidativo e disfunção do sistema endocanabinoide (Aso & Ferrer, 2014). Nesse contexto, o uso da cannabis medicinal e seus fitocanabinoides, em especial o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC), surge como uma alternativa terapêutica investigacional, com potencial de aliviar sintomas neuropsiquiátricos e modular processos neurodegenerativos.


Sistema Endocanabinoide e Alzheimer

O sistema endocanabinoide (SEC) é composto por receptores canabinoides (CB1 e CB2), endocanabinoides (anandamida, 2-AG) e enzimas reguladoras. Ele está diretamente envolvido na modulação da neuroinflamação, excitotoxicidade e plasticidade sináptica. Estudos demonstram que pacientes com Alzheimer apresentam alterações no SEC, incluindo aumento da expressão de receptores CB2 em áreas associadas ao depósito de β-amiloide (Benito et al., 2003).

Esse achado sugere que a ativação modulada desses receptores por fitocanabinoides poderia contribuir para reduzir processos inflamatórios e proteger contra neurodegeneração.


Evidências Científicas do Uso da Cannabis Medicinal no Alzheimer

1. Potencial Neuroprotetor e Anti-inflamatório

  • O CBD apresenta ação antioxidante e anti-inflamatória, reduzindo a produção de citocinas pró-inflamatórias e inibindo a neurotoxicidade associada ao β-amiloide (Esposito et al., 2006).

  • O THC, em concentrações controladas, demonstrou reduzir a agregação de β-amiloide em estudos in vitro, além de potencialmente melhorar funções cognitivas em modelos animais (Cao et al., 2014).

2. Sintomas Neuropsiquiátricos

A agitação, agressividade, ansiedade e distúrbios do sono são frequentes na DA e contribuem para a sobrecarga dos cuidadores. Ensaios clínicos apontam benefícios:

  • Um estudo piloto mostrou que o THC em baixas doses pode melhorar sintomas comportamentais sem causar efeitos adversos significativos (Volicer et al., 1997).

  • Revisões recentes sugerem que a combinação CBD + THC pode ter efeito sinérgico no manejo de sintomas comportamentais, além de segurança aceitável em idosos quando usado com monitoramento médico (Broers et al., 2019).

3. Estudos Clínicos e Provas Sociais

  • Ensaios clínicos ainda são limitados, mas uma revisão sistemática de 2020 apontou que o uso de canabinoides em pacientes com demência demonstrou redução de agitação e distúrbios do comportamento, com perfil de tolerabilidade razoável (Lim et al., 2020).

  • Do ponto de vista social, cresce a adesão de familiares e cuidadores à terapia com cannabis, especialmente em países onde a regulamentação avançou, como Israel e Canadá. Relatos clínicos destacam melhora na qualidade de vida dos pacientes e redução do uso de psicotrópicos convencionais.


Considerações Clínicas

  • O uso da cannabis medicinal deve ser individualizado, monitorado e baseado em evidências, considerando risco-benefício, idade avançada e polifarmácia.

  • O CBD tem perfil mais seguro, enquanto o THC pode trazer benefícios em sintomas comportamentais, mas exige cautela para evitar efeitos adversos cognitivos.

  • Novos ensaios clínicos randomizados são necessários para consolidar protocolos terapêuticos específicos para Alzheimer.


Conclusão

O Dia Mundial do Alzheimer é uma oportunidade para refletir sobre novas estratégias terapêuticas frente a uma condição ainda sem cura. A cannabis medicinal, especialmente por meio do CBD e THC em doses controladas, apresenta potencial promissor no tratamento sintomático e como agente modulador dos mecanismos fisiopatológicos da DA.

Embora os dados atuais ainda sejam preliminares, eles justificam o avanço de pesquisas clínicas robustas e o debate médico-científico sobre o papel da cannabis medicinal na prática clínica.


Referências Bibliográficas

  1. World Health Organization. Dementia Fact Sheet. Geneva: WHO; 2021.

  2. Aso E, Ferrer I. Cannabinoids for treatment of Alzheimer’s disease: moving toward the clinic. Front Pharmacol. 2014;5:37.

  3. Benito C, Núñez E, Tolón RM, et al. Cannabinoid CB2 receptors and fatty acid amide hydrolase are selectively overexpressed in neuritic plaque-associated glia in Alzheimer’s disease brains. J Neurosci. 2003;23(35):11136-11141.

  4. Esposito G, De Filippis D, Carnuccio R, et al. The marijuana component cannabidiol inhibits β-amyloid-induced tau protein hyperphosphorylation through Wnt/β-catenin pathway rescue in PC12 cells. J Mol Med. 2006;84(3):253-258.

  5. Cao C, Li Y, Liu H, et al. The potential therapeutic effects of THC on Alzheimer’s disease. J Alzheimers Dis. 2014;42(3):973-984.

  6. Volicer L, Stelly M, Morris J, McLaughlin J, Volicer BJ. Effects of dronabinol on anorexia and disturbed behavior in patients with Alzheimer’s disease. Int J Geriatr Psychiatry. 1997;12(9):913-919.

  7. Broers B, Patà Z, Mina A, Wampfler J, de Saussure C, Pautex S. Cannabis use in patients with dementia: A retrospective chart review. Eur Geriatr Med. 2019;10(6):969-975.

  8. Lim K, See YM, Lee J. A systematic review of the effectiveness of medical cannabis for psychiatric, movement and neurodegenerative disorders. Clin Psychopharmacol Neurosci. 2020;18(2):191-210.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Cannabis Medicinal na Saúde Mental e sua Relação com o Setembro Amarelo

 


Introdução

O Setembro Amarelo é uma campanha mundial voltada à conscientização e prevenção do suicídio, um grave problema de saúde pública que envolve fatores biológicos, psicológicos e sociais. No Brasil, estima-se que mais de 14 mil pessoas tirem a própria vida todos os anos, o que representa uma morte a cada 40 segundos no mundo (OMS, 2023).

Neste contexto, cresce o interesse científico e clínico no uso da cannabis medicinal como ferramenta terapêutica no cuidado da saúde mental, especialmente em quadros relacionados à depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e dor crônica — todos frequentemente associados ao risco aumentado de suicídio.


Composição da Cannabis e Relevância Neuropsiquiátrica

A planta Cannabis sativa contém mais de 120 canabinoides, sendo os mais estudados:

  • Δ9-tetrahidrocanabinol (THC): principal composto psicoativo, atua nos receptores CB1 do sistema nervoso central, modulando neurotransmissores como dopamina, serotonina e GABA. Pode auxiliar na regulação do humor, mas em doses elevadas pode desencadear sintomas ansiosos e psicóticos em indivíduos predispostos.

  • Canabidiol (CBD): não possui efeito psicoativo clássico, tem perfil ansiolítico, antipsicótico e estabilizador de humor, atuando principalmente em receptores serotoninérgicos (5-HT1A) e no sistema endocanabinoide como modulador indireto.

Essa interação com o sistema endocanabinoide, que regula processos como humor, sono, estresse e memória, é a base para o uso da cannabis em saúde mental.


Indicações na Saúde Mental

  1. Ansiedade Generalizada e Transtornos Ansiosos

    • O CBD demonstra reduzir sintomas de ansiedade em estudos clínicos controlados, com destaque para situações de estresse agudo (como falar em público) e transtornos de ansiedade social.

    • Atua modulando a resposta ao cortisol e regulando a hiperatividade da amígdala cerebral.

  2. Depressão

    • Evidências sugerem que o CBD pode aumentar a neurogênese no hipocampo e regular circuitos serotoninérgicos, efeitos semelhantes a antidepressivos convencionais.

    • Embora não seja considerado primeira linha, pode ser útil como adjuvante em casos resistentes.

  3. Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)

    • O uso de cannabis medicinal tem mostrado melhora no sono, redução de pesadelos recorrentes e diminuição da hiperexcitação em pacientes com TEPT, frequentemente associados ao risco suicida.

  4. Dor Crônica e Insônia

    • Condições de dor persistente e privação de sono estão diretamente relacionadas ao aumento do risco de ideação suicida.

    • Cannabis medicinal auxilia no manejo desses sintomas, impactando positivamente a saúde mental.


Relação com o Setembro Amarelo

O uso da cannabis medicinal pode ser um aliado no contexto da prevenção ao suicídio por três principais razões:

  1. Redução do Sofrimento Psíquico: melhora sintomas de ansiedade, depressão e TEPT, que estão entre os maiores fatores de risco para suicídio.

  2. Melhora da Qualidade de Vida: alívio da dor crônica e melhora do sono impactam diretamente na saúde emocional.

  3. Integração Multidisciplinar: cannabis deve ser utilizada como coadjuvante, dentro de um plano terapêutico que inclui psicoterapia, acompanhamento psiquiátrico e suporte social.


Considerações Éticas e Clínicas

  • A prescrição deve ser feita por médico habilitado, após avaliação criteriosa.

  • Deve-se optar preferencialmente por formulações com CBD predominante, devido ao melhor perfil de segurança psiquiátrica.

  • É fundamental esclarecer aos pacientes que a cannabis não substitui antidepressivos ou psicoterapia, mas pode ser uma estratégia complementar.

  • O uso inadequado, principalmente de produtos com alto teor de THC sem acompanhamento médico, pode agravar sintomas psiquiátricos.


Conclusão

No cenário do Setembro Amarelo, é urgente ampliar a discussão sobre novas ferramentas terapêuticas que possam reduzir o sofrimento mental e prevenir o suicídio. A cannabis medicinal emerge como uma alternativa promissora, com evidências crescentes no manejo de ansiedade, depressão, TEPT e dor crônica.

No entanto, seu uso deve ser sempre pautado na ciência, ética médica e regulamentação vigente, reforçando a importância do cuidado multidisciplinar.

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📚 Referências Bibliográficas

  1. World Health Organization (WHO). Suicide worldwide in 2019: Global Health Estimates. Geneva: WHO; 2021.

  2. Organização Mundial da Saúde (OMS). Suicide prevention. 2023. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/suicide

  3. Crippa, J. A. S., Nogueira Derenusson, G., Ferrari, T. B., et al. (2011). Cannabidiol, a Cannabis sativa constituent, as an anxiolytic drug. Revista Brasileira de Psiquiatria, 33(1), 104–110.

  4. Blessing, E. M., Steenkamp, M. M., Manzanares, J., & Marmar, C. R. (2015). Cannabidiol as a potential treatment for anxiety disorders. Neurotherapeutics, 12(4), 825–836.

  5. Campos, A. C., Moreira, F. A., Gomes, F. V., Del Bel, E. A., & Guimarães, F. S. (2012). Multiple mechanisms involved in the large-spectrum therapeutic potential of cannabidiol in psychiatric disorders. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, 367(1607), 3364–3378.

  6. Gaston, T. E., & Friedman, D. (2017). Pharmacology of cannabinoids in the treatment of epilepsy. Epilepsy & Behavior, 70, 313–318.

  7. Rezende-Pinto, D., Crippa, J. A., & Hallak, J. E. (2021). Cannabinoids as therapeutics in psychiatry: A systematic review of randomized controlled trials. Frontiers in Psychiatry, 12, 646308.

  8. Walsh, Z., Gonzalez, R., Crosby, K., S Thiessen, M., Carroll, C., & Bonn-Miller, M. O. (2017). Medical cannabis and mental health: A guided systematic review. Clinical Psychology Review, 51, 15–29.

  9. Chye, Y., Christensen, E., Solowij, N., & Yücel, M. (2019). The endocannabinoid system and cannabidiol’s promise for the treatment of substance use disorder. Frontiers in Psychiatry, 10, 63.

  10. Elms, L., Shannon, S., Hughes, S., & Lewis, N. (2019). Cannabidiol in the treatment of post-traumatic stress disorder: A case series. Journal of Alternative and Complementary Medicine, 25(4), 392–397.

  11. National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine (NASEM). (2017). The health effects of cannabis and cannabinoids: The current state of evidence and recommendations for research. Washington, DC: The National Academies Press.


Dia Mundial do Alzheimer e o Potencial da Cannabis Medicinal no Tratamento da Doença

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