Introdução
O Dia Mundial do Alzheimer, celebrado em 21 de setembro, tem como objetivo aumentar a conscientização sobre a Doença de Alzheimer (DA), uma enfermidade neurodegenerativa progressiva e irreversível, responsável por aproximadamente 60 a 70% dos casos de demência no mundo (WHO, 2021). O impacto clínico e socioeconômico é significativo, com alta prevalência em populações idosas e desafios terapêuticos frente à ausência de cura definitiva.
Nas últimas décadas, a pesquisa científica tem avançado no entendimento dos mecanismos fisiopatológicos da DA, destacando-se o papel da neuroinflamação, acúmulo de placas de β-amiloide, emaranhados neurofibrilares de proteína tau, estresse oxidativo e disfunção do sistema endocanabinoide (Aso & Ferrer, 2014). Nesse contexto, o uso da cannabis medicinal e seus fitocanabinoides, em especial o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC), surge como uma alternativa terapêutica investigacional, com potencial de aliviar sintomas neuropsiquiátricos e modular processos neurodegenerativos.
Sistema Endocanabinoide e Alzheimer
O sistema endocanabinoide (SEC) é composto por receptores canabinoides (CB1 e CB2), endocanabinoides (anandamida, 2-AG) e enzimas reguladoras. Ele está diretamente envolvido na modulação da neuroinflamação, excitotoxicidade e plasticidade sináptica. Estudos demonstram que pacientes com Alzheimer apresentam alterações no SEC, incluindo aumento da expressão de receptores CB2 em áreas associadas ao depósito de β-amiloide (Benito et al., 2003).
Esse achado sugere que a ativação modulada desses receptores por fitocanabinoides poderia contribuir para reduzir processos inflamatórios e proteger contra neurodegeneração.
Evidências Científicas do Uso da Cannabis Medicinal no Alzheimer
1. Potencial Neuroprotetor e Anti-inflamatório
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O CBD apresenta ação antioxidante e anti-inflamatória, reduzindo a produção de citocinas pró-inflamatórias e inibindo a neurotoxicidade associada ao β-amiloide (Esposito et al., 2006).
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O THC, em concentrações controladas, demonstrou reduzir a agregação de β-amiloide em estudos in vitro, além de potencialmente melhorar funções cognitivas em modelos animais (Cao et al., 2014).
2. Sintomas Neuropsiquiátricos
A agitação, agressividade, ansiedade e distúrbios do sono são frequentes na DA e contribuem para a sobrecarga dos cuidadores. Ensaios clínicos apontam benefícios:
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Um estudo piloto mostrou que o THC em baixas doses pode melhorar sintomas comportamentais sem causar efeitos adversos significativos (Volicer et al., 1997).
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Revisões recentes sugerem que a combinação CBD + THC pode ter efeito sinérgico no manejo de sintomas comportamentais, além de segurança aceitável em idosos quando usado com monitoramento médico (Broers et al., 2019).
3. Estudos Clínicos e Provas Sociais
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Ensaios clínicos ainda são limitados, mas uma revisão sistemática de 2020 apontou que o uso de canabinoides em pacientes com demência demonstrou redução de agitação e distúrbios do comportamento, com perfil de tolerabilidade razoável (Lim et al., 2020).
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Do ponto de vista social, cresce a adesão de familiares e cuidadores à terapia com cannabis, especialmente em países onde a regulamentação avançou, como Israel e Canadá. Relatos clínicos destacam melhora na qualidade de vida dos pacientes e redução do uso de psicotrópicos convencionais.
Considerações Clínicas
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O uso da cannabis medicinal deve ser individualizado, monitorado e baseado em evidências, considerando risco-benefício, idade avançada e polifarmácia.
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O CBD tem perfil mais seguro, enquanto o THC pode trazer benefícios em sintomas comportamentais, mas exige cautela para evitar efeitos adversos cognitivos.
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Novos ensaios clínicos randomizados são necessários para consolidar protocolos terapêuticos específicos para Alzheimer.
Conclusão
O Dia Mundial do Alzheimer é uma oportunidade para refletir sobre novas estratégias terapêuticas frente a uma condição ainda sem cura. A cannabis medicinal, especialmente por meio do CBD e THC em doses controladas, apresenta potencial promissor no tratamento sintomático e como agente modulador dos mecanismos fisiopatológicos da DA.
Embora os dados atuais ainda sejam preliminares, eles justificam o avanço de pesquisas clínicas robustas e o debate médico-científico sobre o papel da cannabis medicinal na prática clínica.
Referências Bibliográficas
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World Health Organization. Dementia Fact Sheet. Geneva: WHO; 2021.
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Aso E, Ferrer I. Cannabinoids for treatment of Alzheimer’s disease: moving toward the clinic. Front Pharmacol. 2014;5:37.
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Benito C, Núñez E, Tolón RM, et al. Cannabinoid CB2 receptors and fatty acid amide hydrolase are selectively overexpressed in neuritic plaque-associated glia in Alzheimer’s disease brains. J Neurosci. 2003;23(35):11136-11141.
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Esposito G, De Filippis D, Carnuccio R, et al. The marijuana component cannabidiol inhibits β-amyloid-induced tau protein hyperphosphorylation through Wnt/β-catenin pathway rescue in PC12 cells. J Mol Med. 2006;84(3):253-258.
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Cao C, Li Y, Liu H, et al. The potential therapeutic effects of THC on Alzheimer’s disease. J Alzheimers Dis. 2014;42(3):973-984.
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Volicer L, Stelly M, Morris J, McLaughlin J, Volicer BJ. Effects of dronabinol on anorexia and disturbed behavior in patients with Alzheimer’s disease. Int J Geriatr Psychiatry. 1997;12(9):913-919.
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Broers B, Patà Z, Mina A, Wampfler J, de Saussure C, Pautex S. Cannabis use in patients with dementia: A retrospective chart review. Eur Geriatr Med. 2019;10(6):969-975.
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Lim K, See YM, Lee J. A systematic review of the effectiveness of medical cannabis for psychiatric, movement and neurodegenerative disorders. Clin Psychopharmacol Neurosci. 2020;18(2):191-210.